Pedro José Labronici, Fabio Soares Segall, Bernardo Augusto Martins, José Sergio Franco, Gustavo José Labronici, Bruno de Araújo Silva, Leonardo Rosa
FRATURAS DA CLAVÍCULA - INCIDÊNCIA DE LESÃO DO NERVO SUPRACLAVICULAR
Pedro José Labronici, Fabio Soares Segall, Bernardo Augusto Martins, José Sergio Franco, Gustavo José Labronici, Bruno de Araújo Silva, Leonardo Rosa da Rocha
Rev Bras ortop. 2013;48(4):317-321
Resumo Objetivo: Analisar retrospectivamente 309 fraturas da clavícula e sua relação com a lesão do nervo supraclavicular após trauma. Métodos: Foram analisados 309 pacientes com 312 fraturas da clavícula. Foi usada a classificação de Edinburgh. Quatro pacientes apresentavam fraturas da região medial da clavícula, 33 da região lateral, 272 da região diafisária e três com fraturas bilaterais. Resultados: Foram analisados 255 pacientes e cinco apresentavam parestesia na região anterior do tórax. Quatro pacientes apresentaram fratura do tipo 2 B2 e um do tipo 2 B1. Todos os pacientes tiveram melhoria espontânea, em média de três meses após o trauma. Conclusão: Fraturas da clavícula e/ou cirurgias no ombro podem lesar os ramos lateral, intermediário ou medial do nervo supraclavicular e causar alteração da sensibilidade na região anterior do tórax. O conhecimento da anatomia dos ramos nervosos ajuda a evitar problemas nessa região. Keywords - Clavícula Fraturas ósseas Síndromes de compressão nervosa |
aDoutor em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo; Chefe de Clínica do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D'Ângelo, Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil.
INTRODUÇÃO As fraturas da clavícula são lesões frequentes, responsáveis por 2% a 15% de todas as fraturas do corpo humano e 33% a 45% das lesões que acometem a cintura escapular.1-4 Segundo a literatura, as fraturas diafisárias são responsáveis por 69% a 82% das fraturas da clavícula e mais da metade apresenta desvio; as fraturas do terço lateral, por 21% a 28%; e as do terço medial, por 2% a 3%.3,5-7 Existem dois picos de incidência: o primeiro, e maior, está associado com paciente jovens, ativos e do sexo masculino; o segundo, com indivíduos idosos, com uma discreta predominância do sexo feminino.4,5,8 Morfologicamente, a clavícula apresenta-se em forma de S resultante da união entre duas curvas opostas ao nível do terço médio. O osso é fino e consequentemente fraco nessa união, o local mais frequente de fraturas.1,5,9 O supraclavicular é um nervo sensitivo originário das raízes nervosas de C3 e C4 do plexo superficial cervical e se divide em ramos medial, intermediário e lateral. Os nervos se ramificam na região proximal da clavícula e proporcionam sensibilidade sobre a clavícula, região anteromedial do ombro e proximal do tórax.4,7 Essa anatomia os torna particularmente vulneráveis a lesões, no caso de fratura da clavícula ou no tratamento cirúrgico dessa fratura.10 O objetivo deste estudo foi analisar retrospectivamente 309 fraturas da clavícula e sua relação com lesão do nervo supraclavicular após trauma. Material e métodos Entre 2000 e 2010 foram analisados retrospectivamente 309 pacientes com 312 fraturas da clavícula, no Hospital Santa Teresa, Petrópolis. A avaliação radiográfica foi feita com radiografias padrão e baseada na classificação de Edinburgh.5 Dos pacientes analisados, quatro (1%) apresentavam fraturas na região medial da clavícula, 33 (11%) na região lateral e 272 (88%) na região diafisária; três pacientes apresentavam fraturas bilaterais (figura 1). Eram do sexo masculino 219 (71%)pacientes e 90 (29%) do feminino. A idade variou entre 17 a 67 anos, com média de 32. As fraturas eram 166 (53%) do lado esquerdo e 146 (47%) do direito. Nenhum paciente apresentava fratura prévia da clavícula. O tratamento conservador foi feito em 277 pacientes, com uso de tipoia ou aparelho em oito, e o tratamento cirúrgico em 32 pacientes. Fraturas da Clavícula
Figura 1 - Total de fraturas da clavícula da amostra dividida Pacientes foram incluídos neste estudo se apresentassem: fratura desviada da diáfise da clavícula e idade superior a 17 e inferior a 70 anos. Critérios de exclusão Pacientes foram excluídos deste estudo se apresentassem: idade inferior a 17 e superior a 70 anos, fratura proximal e distal da clavícula, fraturas sem desvios, fratura patológica, fraturas expostas, alterações vasculares, retardo de consolidação ou pseudartrose, ombro flutuante, fraturas prévias da clavícula e traumatismo de crânio. Foram então incluídos neste estudo 255 pacientes com fraturas desviadas, 204 do tipo 2 B1 e 51 do tipo 2 B2 (fig. 2). Para cada paciente, avaliação clínica e radiográfica foi feita no 1°, 2° e 3° mês após o trauma. Resultados Dos 255 pacientes analisados, cinco relataram, além da dor e da incapacidade funcional do membro afetado, uma parestesia na face anterior do tórax, imediatamente após o trauma (tabela 1). Nenhum dos 32 pacientes tratados cirurgicamente apresentava queixa de parestesia na região anterior do tórax. Discussão A frequência de fraturas diafisárias desviadas e cominuídas da clavícula, resultado de trauma de alta energia, tem aumentado consideravelmente.11 A lesão do nervo supraclavicular associada com fratura da clavícula é muito rara. Entretanto, esses nervos estão situados em local vulnerável e operações no triângulo posterior da região cervical podem causar danos inadvertidos nos ramos nervosos.12 O nervo supraclavicular emerge, em comum com outros ramos cutâneos do plexo cervical, no bordo posterior do músculo esterocleidomastóideo. Contém fibras de C3 e C4 e se divide em ramos.12-15 Esses são distribuídos em três grupos principais. O grupo medial inerva a região próxima ao ângulo esternal e à articulação esternoclavicular. O intermediário passa anterior ou ocasionalmente através da clavícula e inerva a pele na região da linha axial anterior. O lateral passa próximo do acrômio, na região do músculo deltoide e também sobre a região posterior do ombro, e inerva a pele até a região da espinha da escápula (linha axial posterior).12 A proximidade dos nervos supraclaviculares sobre a clavícula os torna vulneráveis à lesão quando há fratura na clavícula ou no acesso cirúrgico para a clavícula. Os sintomas podem ser alteração da sensibilidade, localizada somente no dermátomo do ramo nervoso envolvido, ou hiperestesia difusa semelhante à síndrome dolorosa regional.12,16 Nathe et al.14 relataram que 97% dos espécimes dissecados tinham ramos medial e lateral do nervo supraclavicular. Aproximadamente a metade (49%) apresentava ramo adicional intermediário. Nenhum ramo foi encontrado dentro de 2,7 cm da articulação esternoclavicular ou a 1,9 cm da articulação acromioclavicular. Entre esses dois limites houve uma grande variação de localização de ramos do nervo. Por isso, as fraturas diafisárias estão mais propícias à lesão nervosa. Nossa avaliação demonstrou que as lesões nervosas ocorreram nas fraturas diafisárias e a maioria, em traumas de alta energia com desvios significativos (fig. 3). A lesão do nervo supraclavicular pode ocorrer após tração. Em alguns casos, os ramos do nervo foram encontrados na travessia de um túnel osteofibroso. Gelberman et al.16 descreveram ressecção do nervo, enquanto que Omokawa et al.17 identificaram dois pacientes nos quais o túnel foi aberto e os ramos nervosos foram liberados. A lesão do nervo também foi identificada após fratura da clavícula fechada. Ivey et al.18 trataram com sucesso dois pacientes com hipersensibilidade na região anterior do tórax com bloqueio do gânglio estrelar. Metha et al.12 descreveram dois pacientes nos quais a área da lesão nervosa foi ressecada. Este estudo observou cinco pacientes que apresentaram hipoestesia na face anterolateral do tórax após fratura fechada da clavícula e tiveram melhora dos sintomas por um período de aproximadamente três meses, sem apresentar sinas de neuropatia. Com o crescente aumento das indicações de tratamento cirúrgico para fraturas da clavícula, os cirurgiões devem ficar cautelosos em relação aos ramos do nervo supraclavicular nos acessos cirúrgicos. Além disso, deve-se ficar atento à dor persistente associada com fratura de clavícula, tratada conservadoramente ou por meio de fixação interna, por causa da possibilidade de neuropatia do nervo supraclavicular.10 Vale a pena salientar que, por causa da grande variação dos ramos do nervo supraclavicular, os sintomas podem se estender além da zona anatômica determinada e incluir a região proximal do deltoide e a área posterolateral da cintura escapular.16 A incidência de parestesia no pós-operatório de fratura da clavícula varia entre 12% e 29% nos pacientes que foram tratados com placa.19,20 Wang et al.21 encontraram parestesia em 46% dos pacientes e observaram que os pacientes tratados com incisões horizontais eram mais propensos a desenvolver parestesias do que os tratados com incisões verticais. O grupo com incisão horizontal também apresentava uma maior área de parestesia. A parestesia é uma complicação tolerável. Entretanto, alguns pacientes não toleram essa sensação e podem causar problemas para o cirurgião. Os autores sugerem que o uso da incisão vertical pode diminuir a parestesia e evitar insatisfação dos pacientes. Conclusão Fraturas da clavícula e/ou cirurgias no ombro podem lesar os ramos lateral, intermediário ou medial do nervo supraclavicular e causar alteração da sensibilidade na região anterior do tórax. O conhecimento da anatomia dos ramos nervosos ajuda a evitar problemas nessa região. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS
1. Rowe CR. An atlas of anatomy and treatment of midclavicular fractures. Clin Orthop Relat Res. 1968;58:29-42. |